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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A atipicidade temporária do art. 12 do Estatuto do Desarmamento

A questão da atipicidade temporária, também conhecida como verdadeira "abolitio criminis" em razão da falta de amoldamento aos tipos do Estatuto pode continuar a criar polêmica. Sem nos atermos ao extenso histórico de leis e medidas provisórias que prolongaram referida atipicidade, podemos sintetizar que a última prorrogação se deu com a Lei nº 11.922/09 que permitiu a entrega de armas até 31 de dezembro de 2009. Pacificou-se na jurisprudência que tal arma só seria de uso permitido (alguns julgados admitindo até raspada), e só permitindo no caso de posse e não porte. Portanto, o agente poderia estar com a mesma só na sua residência. Se estivesse portando, haveria crime.
Ocorre que a Lei nº 11.706/08 criou algumas situações que poderão gerar a referida atipicidade. Como se pode extrair do art. 5º, § 4º do Estatuto do Desarmamento, com a nova redação fornecida pela referida lei, o possuidor de arma de fogo poderia obter via internet, o registro provisório (com a clara intenção do legislador de identificar todas as armas). Nesse caso, possuindo o registro provisório mesmo atualmente (27.10.2010), haverá atipicidade se a arma for localizada em sua residência. A questão da atipicidade recairá sore o inciso II do § 4º: o agente criminoso obtém o provisório e não requer a revalidação ou ainda não conseguiu o registro definitivo. Incidirá no crime do art. 12 do ED? A resposta literal é negativa no primeiro caso frente 988/2010 - PFF que revalidou o registro provisório apenas para quem entrou com a documentação e afirmativa para quem não entrou com a documentação. Todavia, poderá se questionar, o agente estará em desacordo com a lei ou regulamento, se de boa fé declarou sua arma pela internet? Caberá ao intérprete e ao julgador, principalmente aos tribunais, decidir essa questão.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Algumas observações sobre o Estatuto do Desarmamento

A Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 merece a denominação Estatuto do Desarmamento, pois em todas as suas linhas nota-se o escopo de dificultar o registro e o porte de armas de fogo. Algumas observações podem ser feitas:
1) Registro provisório. Para evitar incidir no art. 12 do ED, foi possível obter o chamado certificado de registro provisório da sua arma de fogo. Ele será válido por 90 (noventa) dias e depois disso haveria revalidação pela PF. Nesse caso, a autoridade policial federal revalidará o registro e depois poderá ou não expedir o certificado definitivo (trata-se de ato discricionário, dependendo da avaliação da referida autoridade).Com a finalização do prazo de entrega das armas até 31 de dezembro de 2009, criou-se um meio de facilitar a renovação imediata: o registro provisório. A pessoa se cadastraria na internet e depois solicitaria o registro permanente. Nesse meio termo, a autoridade policial federal poderia renovar o registro provisório até que o definitivo estivesse pronto. Tal registro provisório não pode mais ser solicitado, mas existem situações pendentes. Para quem possui o registro provisório e entrou com a documentação necessária junto à Polícia Federal, a Portaria 988 de março de 2010 da Polícia Federal renovou automaticamente o registro provisório. Nesse caso, inexiste tipicidade na conduta do art. 12 (possuir arma em casa). Contudo persiste a dúvida sobre quem possua o registro provisório e não solicitou a documentação. Entendemos que nesse caso, pode haver simplesmente um ilícito administrativo (se houver previsão), mas não penal. Mas nesse caso, embora haja possibilidade de entrega, deve haver uma finalização do prazo, de modo que, findo o mesmo, haja situação de tipicidade.
2) Guarda civil. Nota-se que a lei adotou o critério populacional. Assim, as capitais as cidades com mais de 500 mil habitantes poderão ter seus guardas civis com porte da arma da corporação e da arma particular mesmo fora de serviço. Outrossim, as guardas de municípios com mais de 50 mil habitantes ou pertencentes à região metropolitana, poderão expedir o porte da arma da corporação. E a arma particular? Nesse caso não, devendo ser solicitado o porte para a PF. Como não é praxe os guardas civis fazerem isso, há incidência no porte ilegal do art. 14 do ED.

Dicas para a segunda fase da oab - penal

A segunda fase de penal da OAB vem aí e daí a ansiedade da turma para saber o que vai cair. Sinceramente como falo em aula, a não ser que alguém compre a prova, é impossível saber com exatidão o que realmente vai cair, mas aqui vai algumas impressões. Em um simulado, dei a peça resposta do acusado, porque nunca caiu ainda. Pode ser que caia. Mas também é possível cair uma apelação de uma sentença condenatória, um RESE de uma decisão de pronúncia etc.Outra impressão é a seguinte: a primeira fase foi mais fácil e portanto, pode haver mais dificuldade na segunda fase. Procure também evitar rasuras e rabiscos na prova. As questões teóricas na verdade também são semelhantes à peça. Procure responder todas às perguntas da questão e não apenas a primeira. Senão, você irá perder pontos na correção. Procure também se acostumar com as expressões jurídicas, do tipo "não agiu com o costumeiro acerto o D. Magistrado." Toda peça contém o esqueleto básico: I) Dos fatos; II) Do Direito; III) Do pedido. Nos fatos, resuma o que aconteceu, que é basicamente o que é a questão (de forma resumida). No Direito, é a hora de inserir as teses jurídicas. Insira todas (ou todas que você lembrar: porque cada tese que você esquecer será descontada uma certa quantidade de pontos). No pedido, faça o pedido de absolvição (p. ex. em uma apelação) e subsidiriamentente coloque as outras teses. Agora estude e boa segunda fase.

Professor Ishida

domingo, 24 de outubro de 2010

Prescrição retroativa e a Lei 12.324, de 5 de maio de 2010

Válter Kenji Ishida
Promotor de Justiça das Execuções Criminais e Professor Universitário
Autor do Curso de direito penal, processo penal e prática jurídica penal todos publicados pela Editora Atlas

    I - Introdução. A prescrição é tratada no Código Penal como uma das causas de extinção da punibilidade (art. 107, inciso IV, primeira figura do CP). Doutrinariamente, existem dois tipos básicos de prescrição: o da pretensão punitiva e o da pretensão executória.
    Quanto à prescrição da pretensão punitiva, existem quatro formas mencionadas pela doutrina: a prescrição virtual ou antecipada (atualmente rechaçada pela súmula 438 (numeração provisória) do STJ), a prescrição retroativa, a prescrição intercorrente e a prescrição propriamente dita.
    O objetivo da novíssima lei, segundo o art. 1º é o de “excluir a prescrição retroativa.” O fundamento da admissão da prescrição retroativa seria o da pena justa. Não há como negar que existe um sentimento de impunidade na admissão das mais variadas formas de prescrição que acabou sensibilizando o legislador da Lei nº 12.234/10. Já na exposição de Motivos do Código Penal de 1969 havia menção de que a admissão da prescrição pela pena em concreto comprometia gravemente a eficiência e seriedade da repressão (conforme Damásio de Jesus, Direito penal, parte geral, 24ª edição, p. 734).
    II – Escorço histórico do surgimento da prescrição retroativa. Pela antiga Parte Geral do CP (1940), a pena da sentença servia de base para a prescrição a partir da publicação da sentença condenatória (art. 110, parágrafo único da Parte Geral do CP de 1940).  Tratava-se de prescrição da pretensão punitiva porque não havia o trânsito em julgado para a defesa. Não havia admissão de se contar para trás, de forma retroativa. O panorama foi alterado com a interpretação do STF, consagrado pela Súmula 146 do STF editada em 1961, verbis: “a prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.” Assim, embora a prescrição não pudesse ser reconhecida com base na pena máxima, poderia ser admitida com supedâneo na pena aplicada na sentença. Bastaria o trânsito em julgado para a acusação ou o improvimento do seu recurso. Nesse caso, poder-se-ia falar em retroativa porque haveria um retorno entre as causas de interrupção previstas no art. 117 do Codex até aí existentes: entre a data do fato e do recebimento da denúncia ou queixa; entre esta e a decisão interlocutória de pronúncia; entre esta e a sentença condenatória. A súmula editada na década de 1960 foi o marco de admissibilidade da prescrição retroativa, mas a partir de 1970, passou a sofrer restrições, exigindo-se sentença condenatória, existência de recurso da defesa e inexistência de recurso da acusação e possibilidade de contagem somente entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e da publicação da sentença (conforme Damásio E. de Jesus, Direito penal, parte geral, 24ª edição, p. 732). Essa restrição abrangia a vedação de se admití-la entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa. Esse posicionamento se prolongou até final de 1974, quando a troca de Ministros do STF reacendeu o debate, predominando a corrente mais liberal. Mais ainda, o Decreto-lei nº 1.004 que instituia o Código Penal de 1969 previa expressamente em seu art. 111, § 1º que “A prescrição, depos de sentença condenatória de que somente o réu tenha recorrido, regula-se também, daí em diante, pela pena impsta e verifica-se nos mesmos prazos.” Com essa redação, deixou claro o legislador a vedação à prescrição retroativa. Em contrapartida, o Projeto de Lei 1.457, de 1973 que apresentou emendas ao CP de 1969, passou a acatar a Súmula146, suprimindo a expressão “daí por diante” e condicionando o trânsito em julgado paraa acusação. A Lei n. 6.016/73, que alterou o CP de 1969 passava a admitir expressamente a prescrição retroativa. Mas em solução diametralmente oposta, a Lei 6.416/77,alterando o CP de 1940, passou a eliminar essa interpretação elástica geradora da impunidade e se referia à prescrição depois do trânsito em julgado para a acusação e pela pena aplicada (art. 110, § 1º) como “renúncia do Estado à pretensão executória” (conforme Damásio E. de Jesus, Direito penal, parte geral, 24ª edição, p. 735).
   
    III - Procedimento técnico elaborado pelo legislador da Lei 12.234/10. No escopo de ceifar a prescrição retroativa, o legislador suprimiu no art. 109, caput a anterior menção ao § 2º do Código Penal. Outrossim, logicamente suprimiu o § 2º do art. 110. Este era consagrado pela doutrina como a norma que fundamentaria a prescrição retroativa.  Mais: o legislador no art. 110, § 1º, ao se referir à prescrição depois do trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido o seu recurso, regulando-se pela pena aplicada, vedou expressamente admitir termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. Finalmente, modificou a prescrição no caso de pena máxima inferior a um ano, elevando de 2 (dois) para 3 (três) anos.  Um erro de técnica do legislador foi a de extirpando o § 2º do art. 110, ter mantido a menção § 1º. Como há um só parágrafo atualmente, o § 1º deveria ter-se transformado em “parágrafo único.”
   
    IV - Efeito prático da alteração legislativa. A alteração significativa e diretamente prática foi a de elevar a prescrição nos crimes com pena inferior a 1 ano. Assim, p. ex., um crime de lesão leve com pena aplicada de 3 meses, terá um pouco mais de dificuldade para prescrever. Deveria ter também elevado a prescrição para os crimes com pena igual a um ano ou sendo superior não excede a 2 anos (art. 109, IV), porque grande partes dos delitos de médio potencial lesivo possuem pena nesse patamar (v.g. o estelionato, o furto simples, a receptação simples etc).
    a) Irretroatividade da alteração da Lei nº 12.234/10. Tratando-se de alteração de norma penal, a retificação do Código Penal é sem dúvida alguma, mais prejudicial ao réu. Logo só vigora a partir da data da publicação (06.05.2010), conforme estipula o art. 3º da referida Lei. Não pode haver aplicação imediata, sem avaliação do prejuízo ao réu, como faz a norma processual penal (art. 2º do CPP). Assim, os crimes consumados até 05 de maio de 2010 poderão ser beneficiados com a antiga redação da lei penal. Assim, admite-se a prescrição retroativa para esses casos entre a data do fato e do recebimento da denúncia, mesmo com os autos do processo-crime em andamento. Prolatada a sentença condenatória e inexistindo o recurso da acusação, é possível reconhecer-se ainda essa prescrição com esses dois termos. Trata-se de hipótese de ultratividade da lei penal já revogada, mas que ainda possui efeitos para os crimes consumados na sua vigência. Os crimes consumados a partir de 06 de maio de 2010, não mais terão a admissão da prescrição retroativa.
    b) Fim da prescrição virtual. A prescrição virtual era feita principalmente em sede de arquivamento com base na pena a ser aplicada pelo juiz. Considerando as circunstâncias do art. 59 do CP e a fixação da pena-base, as possíveis causas de aumento e diminuição e mais as circunstâncias atenuantes e agravantes, o membro do MP promovia o arquivamento tendo em vista a pena em concreto a ser aplicada. Também era utilizada como fundamento do magistrado de primeiro grau para não prolatar sentença de mérito, julgando extinta a punibilidade com fulcro na referida prescrição antecipada. Falava-se então em falta de interesse de agir, já que de nada adiantava um processo onde fatalmente haveria o reconhecimento da prescrição retroativa quando da prolatação da sentença. Nesse caso, a prescrição incidiria entre a data do fato e do recebimento da denúncia ou queixa. Como pela primeira interpretação que provavemente deve prevalecer, não mais se admite a prescrição retroativa nesse caso, a prescrição virtual passa a não mais ser admitida.
    c) Prescrição retroativa: revogação total ou parcial de suas hipóteses? Passamos a comentar possíveis correntes que surgirão sobre o assunto. Ressalte-se que a grande maioria das hipóteses de prescrição retroativa incidem sobre a data da consumação e o recebimento da denúncia, normalmente ocasionadas pela demora na conclusão do inquérito policial e os vários pedidos de prazo para conclusão do procedimento administrativo. Dificilmente ocorre a prescrição entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença, já que o andamento do processo, na maioria dos casos, não é tão lento.
    A prescrição retroativa só foi revogada entre a data da consumação do fato criminoso e o recebimento da denúncia ou queixa. Com o advento da Lei nº 12.234/10, o juiz ou tribunal só admite a extinção da punibilidade entre esses dois termos com base na pena máxima a ser aplicada. Assim, vamos supor um caso prático. Fulano consuma crime de estelionato em 06 de maio de 2010. A denúncia é recebida em 08 de maio de 2014. O juiz publica a sentença em 06 de maio de 2012, com pena de 1 ano, com prescrição portanto em 4 anos. O Promotor não recorre. A defesa também não. Há trânsito em julgado para a acusação. Nesse caso, não se poderia alegar a prescrição entre a data da consumação do estelionato e a data do recebimento da denúncia. Nesse cao, o juiz faz um juízo de admissibilidade da denúncia ou queixa com base na pena máxima. No caso prático, ela não ocorreu. Depois de aplicar a pena em concreto, o juiz não pode mais considerar a prescrição entre esses dois termos, com base na pena aplicada na sentença por expressa disposição do § 1º do art. 110. Poderá contudo considerar entre a data da denúncia ou queixa e a data da decisão de pronúncia e entre esta e a data da publicação da sentença. Assim, incorreto o texto do art. 1º da Lei nº 12.234/10 que fala em “excluir a prescrição retroativa.” Deveria ter falado em “excluir a prescrição retroativa entre a data do fato e do recebimento da denúncia ou queixa.” Se o escopo fosse o banir totalmente a prescrição retroativa, deveria ter copiada a redação do CP de 1969, incluindo a expressão “daí por diante”.