Pesquisar este blog

terça-feira, 29 de maio de 2012

O crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (art. 135-A do CP) criado pela recentíssima Lei nº 12.653, de 28 de maio de 2.0212


Introdução. A preocupação do legislador com a falta de atendimento médico-hospitalar na rede privada, principalmente pela constante colocação de regras pelos planos de saúde levou à edição de um tipo específico para garantia do atendimento emergencial. Saliente-se que já existia o crime de omissão de socorro (art. 135), mas havia dúvida na jurisprudência se tal conduta em seara hospitalar realmente levava à tipificação do referido delito.
Tipo penal. Sob a denominação de condicionamento de atendimento médico-hospitar, prevê o art. 135-A do CP: “Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar  emergencial: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.”
O objetivo é evitar que a sociedade deixe sem o cuidado médico necessário a pessoa que se submete ao tratamento hospitalar emergencial, principalmente na rede privada.
 Objetividade jurídica. O tipo protege a vida e a saúde. Incentiva o dever de solidariedade, sendo um tipo especial do art. 135 do CP que trata da omissão de socorro.
Sujeitos do delito. Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa. Normalmente é o funcionário do balcão que realiza o atendimento. Nada impede que seja partícipe o dono ou diretor do hospital que ordenou a exigência da garantia. Sujeito passivo: o ofendido é a pessoa para quem é exigida a caução e também a pessoa que necessita dos cuidados emergenciais.
      Tipo objetivo. O tipo fala em exigir: Exigir no caso específico significa ordenar como condição para o atendimento emergencial. Abrange o cheque-caução, a nota promissória ou qualquer outra garantia (permissão da interpretação analógica). O cheque-caução é utilizado largamente no comércio como forma de honrar determinado compromisso. Já a nota promissória é um título de crédito que documenta a existência de um crédito líquido e certo, tratando-se de uma promessa de pagamento.
     O tipo ainda prevê como conduta delituosa, o fato de exigir para o atendimento, o preenchimento prévio de formulários administrativos. O desejo do legislador foi de que primeiro se atenda a emergência e depois sejam preenchidos os formulários administrativos. É necessário deixar bem explícito que basta uma das condutas para tipificar o delito: o agente criminoso ou exige a garantia ou exige o preenchimento do formulário. Não há necessidade de exigir a garantia e de exigir o preenchimento do formulário.
Conceito de atendimento emergencial. Havendo no direito penal, a utilização da taxatividade no tipo legal, mister diferenciar a emergência da urgência. A emergência ocorre quando há uma situação crítica, com ocorrência de perigo incidente. Na  medicina, é a circunstância que exige uma cirurgia ou intervenção médica de imediato. Já a expressão “urgência” incide sobre uma situação que não pode ser adiada, que deve ser resolvida rapidamente, pois se houver demora, corre-se o risco até mesmo de morte. Na medicina, ocorrências de caráter urgente necessitam de tratamento médico e muitas vezes de cirurgia, contudo, possuem um caráter menos imediatista. O tipo do art. 135-A do CP fala em atendimento emergencial. Portanto, traduz a ilicitude de em situação de emergência, condicionar o atendimento hospital a qualquer garantia financeira ou preenchimento burocrático de formulário. O tipo portanto é de perigo concreto e exige avaliação do caso e aferição do risco efetivo.
    Tipo subjetivo.  É o dolo (direto ou eventual) de exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer outra garantia ou ainda de exigir o preenchimento prévio de formulários administrativos, sendo dolo de perigo.
     Consumação. Consuma-se com a simples exigência da garantia ou do preenchimento do formulário antes do atendimento emergencial. A tentativa, pelo menos teoricamente, é admtida.

Crime preterdoloso. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. O resultado ocorre na modalidade culposa porquanto se desejado ou havendo dolo eventual, responde pelo crime de lesão grave ou gravíssima ou pela morte, havendo absorção do art. 135-A por um destes delitos.

Crime de menor potencial ofensivo. Com pena máxima de um ano, a competência é dos juizados especiais criminais, sendo possível, se preenchidos os requisitos, a transação e a suspensão condicional do processo.
Entrada em vigor do tipo penal do art. 135-A do CP. Passa a vigorar a partir da data da publicação no Diário Oficial, ou seja, em 29 de maio de 2.012.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Comentários às primeiras alterações propostas pela Comissão do Senado
nos crimes contra a vida

Válter Kenji Ishida
Promotor de Justiça das Execuções Crimininais
Professor Universitário
Autor do Curso de direito penal, Processo Penal e Prática Jurídica Penal, publicados pela Editora Atlas



I - Introdução
Sem certeza de aprovação nos próximos anos, a Comissão do Senado se incumbiu de elaborar um Anteprojeto de Código Penal. Na sexta-feira, dia 24 de fevereiro de 2012 houve audiência pública no Tribunal de Justiça para discussão dos crimes contra a vida.  Com vinte anos de atuação criminal, procuraremos comentar as sugestões de alteração feitas pela Comissão e pelos operadores de direito que discursaram na referida audiência pública. A sugestão da criação foi do Senador Pedro Taques. O mesmo defende um código sistematizado, mas para defender a população. Referido Senador Preside a Comissão de Segurança do Senado. É de se ressaltar que essas alterações são apenas um esboço de alteração.
II – Alterações nos tipos penais
Homicídio simples. A pena do homicídio doloso é mantida pelo Anteprojeto (seis a vinte anos).
Homicídio qualificado. Introduziu-se um novo inciso, o II, qualificando o delito na hipótese de preconceito, raça, cor, etnia, orientação sexual, deficiência física ou mental, condição de vulnerabilidade social, religião, origem, procedência nacional ou em contexto de violência doméstica ou familiar contra a mulher. A ideia parece elogiável. Não é de hoje que existem agressões p. ex. contra homossexuais simplesmente pela opção sexual. A qualificadora da violência doméstica todavia deveria incidir sobre todas as pessoas e não somente da mulher, cf. comentário feito pela Associação dos Advogados de São Paulo, aumentando a incidência da qualificadora.  Outra ideia da Associação dos Advogados de São Paulo foi a de suprimir a pena mínima, aos moldes da legislação europeia. P. ex. o art. 575 do Código Penal italiano prevê a pena mínima de vinte e um anos. Essa é uma ideia para a Comissão refletir. Fora os casos de mídia, é prática comum se aplicar a pena no mínimo legal. A pergunta que se faz é a seguinte: como se comportaria o juiz na sentença, sem uma pena mínima a balizar a sua dosimetria.
Uma outra sugestão feita pelo promotor de justiça Fauzi Hassan Choukr na audiência pública foi a inclusão do uso de arma de fogo e do concurso de pessoas simples como qualificadoras. A questão da arma de fogo é bastante interessante. Comumente repele-se o crime de porte ilegal de arma (e a maioria dos homicídios é praticado com as chamadas “armas frias”) e este crime fica absorvido pelo princípio da consunção pelo delito de homicídio. Como ressaltou referido Promotor, não se pode equiparar um crime praticado com arma de fogo com outro praticado com arma branca.
Homicídio culposo. A pena mínima e máxima são aumentadas. Ressalte-se que o crime de homicídio culposo do Código Penal caiu em desuso diante da criação do homicídio culposo ao volante, prevalecendo pelo princípio da especialidade o art. 302 do CTB.
Culpa gravíssima no homicídio culposo. O Anteprojeto cria a figura da culpa gravíssima (parágrafo 5º.) no caso de “excepcional temeridade”. No caso do crime culposo, haveria uma graduação da culpa que iria da levíssima, passaria pela leve e grave e atingiria o ápice na gravíssima. Seria uma avaliação do grau de descuido do agente. A culpa gravíssima se enquadraria entre o dolo eventual e a culpa consciente. Seria um quase dolo eventual.  Na culpa consciente, o agente prevê o resultado, ou seja, possui uma vontade e uma visualização com relação com o resultado. Mas não concorda, acha que não vai realizar o mesmo. Estou dirigindo em excesso de velocidade, acho que posso atropelar alguém, mas acho que isso não vai acontecer. Todavia, mesmo não concordando com o resultado, objetivamente realizo uma conduta temerária, não recomendável: embriaguei-me demasiadamente, imprimo uma velocidade excessiva para o local, realizo manobras não recomendáveis para o local.
Luiz Flávio Gomes (Crimes no trânsito: culpa temerária e eficientismo penal, “in” www.cartaforense.com.br; acesso em 26.02.2012) aborda o tema:
“diante da insuficiência do sistema penal atual o dolo eventual passou a ser visto como a "solução" para o problema. É extremamente complexo distinguir o dolo eventual da culpa consciente. Mais complexo ainda é provar o dolo eventual, que exige a aceitação do resultado pelo agente. O enquadramento dos delitos como dolo eventual satisfaz os desejos emocionais e vingativos da mídia, dos familiares das vítimas, dos políticos e dos legisladores (ressalvadas as honrosas exceções), mas isso é feito com muita distorção dogmática (técnica).  Estão "forçando a barra" na tipificação como dolo eventual para que os abusos no trânsito sejam devidamente reprimidos. Tecnicamente isso é um absurdo. É preciso acabar com essa anomalia.   Possível solução: a solução, consoante nossa opinião, está em reconhecer a culpa temerária (que é a culpa gravíssima), que fica entre a culpa consciente e o dolo eventual. O homicídio culposo no trânsito hoje é punido com pena de 2 a 4 anos de detenção (art. 302 do CTB). No caso de culpa temerária (gravíssima) a pena (essa é nossa sugestão) seria de 4 a 8 anos de prisão. A redação seria a seguinte: "No homicídio culposo a pena será de 4 a 8 anos de prisão quando comprovada a embriaguez ao volante, a participação em corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade, a velocidade excessiva superior à metade da permitida ou qualquer outra causa reveladora de culpa gravíssima".”
O conceito decerto, aplica-se atualmente p. ex. aos delitos de trânsito envolvendo embriaguez ou a hipótese de concurso formal. De qualquer forma, tal parágrafo melhor se adequaria ao CTB por incidir nos delitos de trânsito.
Causas de aumento no homicídio culposo. Houve no Anteprojeto, uma alteração nas causas de aumento no homicídio culposo. Extirpou-se com razão, a inobservância de regra técnica, de profissão, arte ou ofício. Essa é uma causa de aumento modalidade culposa, explicava-se que o agente era habilitado, mas não conhecia a regra. Na causa de aumento, conhece, mas não observa a regra. As causas de aumento passam a se referir à culpa gravíssima. A omissão de socorro é mantida, mas introduzida a ressalva da a fazer prova contra si mesmo.
Perdão judicial. O instituto do perdão é aperfeiçoado. Nesse caso, citam-se as pessoas beneficiadas, inserindo dois motivos: o agente deve estar ligado por estreitos laços de afeição ou quando atingido de forma comprovadamente grave.
Eutanásia. O Anteprojeto prevê no art. 122 o crime específico de eutanásia, incluindo o matar por piedade ou compaixão pessoa em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido. Passa-se do anterior motivo de relevante valor moral, individual.
Perdão judicial. O juiz poderá deixar de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso e a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.
Atipicidade da ortotanásia. A ortotanásia é a interrupção dos procedimentos artificiais que mantêm a sobrevida de pacientes em estado de coma irreversível. Há uma excludente de atipicidade na hipótese do agente deixar de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente. Trata-se de uma prática existente nos hospitais de deixar de fazer o tratamento ou parar de funcionar determinado aparelho quando inexiste mais chances para um retorno.  Existe também tramitando no Senado o PLS 116/00 permitindo essa prática.
Participação no suicídio. São mantidas as mesmas características do tipo atual. Infantício. Mantém-se o mesmo tipo, mas pune-se com a pena de homicídio simples, a participação e a coautoria. É discutível a utilidade prática de manutenção desses dispositivos.
Aborto. A gestante é mais protegida, instituindo pena de Jecrim (até dois anos). O mesmo com relação ao agente que realiza o aborto com o consentimento da gestante. A pena do aborto sem o consentimento é aumentada, mas deveria haver previsão da regra do art. 126, parágrafo atual. Excludentes de tipicidade: mantêm-se as hipóteses, mas inclui-se a anencefalia ou por vontade da agente até 12ª. Semana. Nesse caso, o médico deverá atestar que a gestante não possui condições psicológicas para arcar com a maternidade. O tempo de doze semanas seria o limite em que aí iniciar-se-ia a criação do sistema nervoso central.
III – Conclusões
A parte dos crimes contra a vida não contém grandes alterações relativas ao combate à impunidade. Por outro lado, traz algumas atualizações atualmente destacadas pela doutrina e jurisprudência penais como a permissão do aborto no caso de anencefalia e no aborto até 12 semanas de gestação e da punição com maior rigor do partícipe e do coautor no autoaborto. Outro destaque é a descriminalização da ortotanásia. Assim, questões como a liberalização de casos como o aborto e a ortotanásia que acontecem com frequência foram enfrentadas pela Comissão. Todavia, no crime principal, o do homicídio, a única questão tratada com maior rigor é da culpa gravíssima, sem incidência na prática porque deve ser alterado o Código de Trânsito Brasileiro. Deve a Comissão tratar com maior rigor o homicídio doloso, elevando a sua pena mínima (p. ex. para 20 anos) e prevendo no próprio tipo penal para uma maior agilização, patamares maiores para a progressão ao regime semiaberto (p. ex. metade da pena).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Ação penal no crime de lesão contra mulher no âmbito doméstico: agora definitivamente é pública incondicionada





Antes da ADI 4424, qQuanto à ação penal, duas posições se colocavam: (1) era crime de ação penal pública incondicionada, porque seria forma qualificada de lesão, não mais dependendo de representação (Nucci, Manual de direito penal, p. 637); Neste sentido: STJ, HC 96.992-DF, J. 12/8/2008. (2) continuava sendo pública condicionada, até porque existia o art. 16 da Lei Maria da Penha, prevendo a representação (OAB-SP – 2a fase – 134o). Prevalecia anteriormente a segunda posição. Ocorre que ao decidir por maioria de votos, a ADI 4424, o STF entendeu inconstitucional o dispositivo do art. 16 que tornava condicionada tal ação. Na visão do nosso tribunal constitucional, tal restrição limitava a defesa da mulher. Assim, sendo incondicionada, desnecessária essa audiência por inexistir hipótese de retratação da ação penal pública incondicionada.

Defendendo tal inclinação, o Procurador-geral da República mencionou segundo o site jusbrasil:

"Durante a exposição, Gurgel argumentou que após dez anos da aprovação da lei 9.099/95, cerca de 70% dos casos que chegavam aos juizados especiais envolvia situações de violência doméstica contra mulheres, e o resultado, na grande maioria, era a conciliação. De acordo com ele, a lei desestimulava a mulher a processar o marido ou companheiro agressor e reforçava a impunidade presente na cultura e na prática patriarcais.
Além disso, segundo o PGR, a interpretação que condiciona à representação o início da ação penal relativa a crime de lesões corporais leves praticado no ambiente doméstico, embora não incida em discriminação direta, acaba por gerar, para as mulheres vítimas desse tipo de violência, efeitos desproporcionalmente nocivos. De acordo com ele, o Estado deve agir na proteção de bens jurídicos de índole constitucional."

Atuando na área criminal por quase 20 anos, também sentimos esse sentimento de impunidade até em crimes graves como o estupro praticado pelo marido contra a mulher. Em muitos casos, casos de agressão de maridos ou concubinos contra as mulheres resultavam em "notitia criminis" na Delegacia de Polícia e depois o arrependimento da esposa pelo ato. Embora tenho uma posição rigorosa de punição do agressor, tenho minhas dúvidas se tal decisão da nossa Corte Maior possa auxiliar na "pacificação social" das famílias. Talvez introdução das chamadas práticas restaurativas no âmbito criminal repercutam mais do que alteração da qualidade da ação penal. De qualquer forma, trata-se de uma importante notícia jurídica do mês de fevereiro de 2012.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A Lei 12.594/12 e a absolvição no caso de excludentes

Absolvição com base nas excludentes de antijuridicidade e de culpabilidade

    Questão tortuosa é saber se havendo prova de existência de excludente de antijuridicidade, de culpabilidade ou outra causa que exclua a pena como as escusas absolutórias, deve o juiz da infância e juventude absolver o adolescente em conflito com a lei. Para Saraiva (Compêndio..., p. 79), nessa hipótese o juiz deve absolver, não podendo sofrer qualquer medida socioeducativa. Nesse sentido, entendendo inaplicável medida na hipótese de furto contra ascendente: TJSP, AI nº 27.793-0/5, Rel. Dirceu de Mello. Entendemos que a questão merece ser melhor analisada. Se verificarmos a ratio do art. 189 do ECA, constatamos que é uma cópia do art. 386 do CPP. Ocorre que todavia, não foi reproduzido o inciso que trata das excludentes: “existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena.” Essa falta de colocação foi proposital no nosso entendimento em razão do cunho pedagógico da medida (além do caráter retributivo). Supondo que nessa hipótese de furto de filho contra pai não se recomendaria a aplicação de determinada medida socioeducativa? Ou então se praticar a justiça restaurativa para se buscar uma solução adequada ao caso? Pensamos também em outro caso: adolescente mata em legítima defesa com arma de fogo. Sim, estaria correta a atuação, mas seria recomendável com 12 anos de idade, portar e disparar arma de fogo? Cremos que com o advento da Lei nº 12.594/12, o magistrado do processo de conhecimento ficará com maiores instrumentos para decidir o que fazer em uma determinada situação. O que não se pode concordar é que exista expressa proibição de aplicar medida socioeducativa ou prática restaurativa diante da constatação de excludente.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 e a execução de medida socioeducativa: análise de questões polêmicas

Válter Kenji Ishida: Promotor de Justiça das Execuções Criminais e Professor Universitário; autor das seguintes obras na área da infância e da juventude: Estatuto da Criança e do Adolescente, doutrina e jurisprudência, 13ª edição e Infração Administrativa no Estatuto da Criança e do Adolescente, 1ª edição, ambas pela Editora Atlas
  

I - Introdução
     O ECA desde a sua edição em 1990 cuidou do direito material do ato infracional, especificando as medidas socioeducativas. Também cuidou da fase de conhecimento, regrando o procedimento com o devido processo legal. Todavia, existia uma lacuna: a fase de execução da medida socioeducativa não era tratada na lei menorista. Em razão dessa falta de disciplina legal, essa fase final da medida socioeducativa passou a ser tratada através de regulamentação dos Tribunais de Justiça e das entidades de atendimento. Somente com a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 é que a matéria de execução recebeu tratamento legal. Nota-se que muitos dos aspectos da nova lei não existe propriamente uma novidade. Existem regulamentos que já disciplinavam assuntos como a internação e o regime de semiliberdade de forma muito semelhante e com mais detalhes como p. ex. a Portaria Normativa nº 217/2011 da Fundação CASA de São Paulo que regulamentou a internação e a semiliberdade. Na verdade, ao disciplinar o Sinase, mencionar regras de execução, alterar leis e disciplinar doações ao fundo, a lei se tornou uma verdadeira “colcha de retalhos”.
    II – Aspectos da Lei nº 12.594/12.

    Sinase. A maior preocupação do legislador não foi a execução em si mesma, mas a criação de um sistema, de programas e de planos. Extrai-se dessa lei, o entendimento de que a formatação em sistema é realmente útil porque é constantemente usada em cada nova lei que é sancionada. Nesse diapasão, a nova Lei criou o Sinase, definido como “conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescentes em conflito com a lei.” O Sinase surgiu no ano de 2004, como uma tentativa de sistematizar a execução da medida socioeducativa através do princípio da proteção integral (Josiane Rose Petry Veronse e Fernanda da Silva Lima, O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo(Sinase): breves considerações “in” periódicos.uniban.br). Tratou-se de uma iniciativa da SEDH e do CONANDA, visando articular os três níveis de governo para o incremento do atendimento socioeducativo. Possui ainda como objetivo, a corresponsabilidade da família, do Estado e da sociedade, dando ênfase ao chamado “trabalho em rede” dos operadores. Tal escopo da lei revela a chamada “incompletude institucional.”A própria pessoa jurídica será incapaz de realizar um verdadeiro trabalho digno de execução da medida socioeducativa, necessitando de um “um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais para a organização das políticas de atenção à infância e à juventude” (Análise do Sinase feito pelo Conanda “in” portal.mj.gov.br). Embora a própria lei contenha prazos, pode-se afirmar que muitos comandos dela se assemelham às chamadas normas programáticas, que estabelecem programas e diretrizes de eficácia mediata.
             Natureza jurídica da medida socioeducativa. Embora a origem do Sinase tenha se vinculado ao propósito de explicitar a natureza pedagógica da medida socioeducativa, é forçoso se aferir que o parágrafo 2º do art. 1º da Lei nº 12.594/12 traz as duas características em debate da medida: como natureza sancionatório-repressiva tem-se os incisos I e III e como caráter pedagógico-educativo o inciso II. Assim, adota a lei a linha do chamado direito penal juvenil.
    Princípios do Sinase. (1) Incompletude do sistema. A unidade física onde se aplica a medida não pode mais atuar de forma isolada. A nova lei prevê o programa da unidade, que aliás ganha mais realce que a própria unidade. Mais do que isso, a nova lei admite que o atendimento da unidade é incompleto e necessita ser auxiliado através de um trabalho de rede, havendo necessidade dos chamados sistemas e políticas públicas de saúde, trabalho, educação etc. (2) Intersetorialidade. o tratamento adequado ao adolescente deve ser feito através de vários setores e não só a partir do Estado, no antigo modelo correcional do Código de Menores
    Participação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A Lei nº 12.594/12 teve como destaque a disciplina exata das funções de cada ente da Federação. Para a União (art. 3º), caberá a atribuição de elaborar a Política Nacional de Atendimento Socioeducativo. Caberá ainda à União o financiamento e não a manutenção de qualquer programa. Quanto aos Estados, caberá a manutenção dos programas de internação e de semiliberdade (art. 4º, III). Quanto aos Municípios, incumbe aos mesmos a manutenção dos programas em regime aberto. Os programas de atendimento deverão ser inscritos nos respectivos Conselhos.
    Programa de prestação de serviços à comunidade (PSC) e liberdade assistida. O art. 13 da lei 12.594/12 prevê a figura do orientador tanto para a PSC como para a LA.
    Programa de semiliberdade e internação. Exige-se a comprovação de existência de estabelecimento adequado. A avaliação do atendimento em todos os tipos de programas será feita pela União em parceria com os Estados, Municípios e Distrito Federal.
    Princípios norteadores da execução das medidas socieoducativas. Anteriormente, existia no ECA a previsão específica de princípios para a internação. O legislador da Lei nº 12.594/12 preferiu elencar acertadamente dispositivos gerais aplicáveis a todas as medidas socioeducativas. São eles (1) Princípio da Legalidade. Semelhante ao do Direito Penal, devendo haver previsão anterior da medida. A tipificação do ato infracional está logicamente vinculada à previsão legal no CP e à Legislação Extravante. (2) Princípio da Vedação do Tratamento mais Gravoso. A execução da medida socieoducativa se distingue da execução penal, já que possui fim distinto do direito penal. Destacando-se o caráter educativo-pedagógico da medida, não é possível que se assemelhem as condições de cumprimento. Em razão disso, v.g., é que se veda o cumprimento da internação em cela de Delegacia de Policia ou de estabelecimento penitenciário. (3) Princípio da excepcionalidade. A  intervenção do juiz menorista ou a aplicação da medida socioeducativa deve ter um caráter de exceção, principalmente da internação. A novidade para se evitar a imposição de medida socioeducativa é a aplicação da justiça restaurativa. A nova lei fala em autocomposição, mas esta melhor se aplicaria no processo civil. (4) Princípio da Brevidade. Aplicada a medida socioeducativa, esta, na medida do possível, deve ser breve, ou seja, de curta duração. Assim, aplica-se principalmente na duração da medida de internação. (5) Princípio da individualização da medida socioeducativa. Trata-se de um princípio que deve orientar a sentença no processo de conhecimento e a execução de medida, sendo aplicável através do PIA. Na execução da medida socioeducativa, o juiz não pode padronizar a aplicação da medida, devendo levar em conta a individualidade do adolescente e suas características. (6) Princípio da mínima intervenção. A exemplo da restrição da liberdade na esfera penal, a medida socioeducativa deve ser pensada como a última ratio e esta ideia ganha mais destaque quando se fala na medida de internação. (7) Não discriminação em razão de sua etnia (diz respeito a um povo ou a uma Nação), gênero (conceito geral que abarca todas as características comuns de um determinado grupo ou classe), nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status. A execução da medida socioeducativa impõe que seja mantida a integridade física e psíquica do adolescente e para isso é necessário que sejam respeitados os seus valores. Assim, se for adepto de determinada religião, deve ser permitido que dentro das limitações da unidade, seja desenvolvido seu culto p. ex. (8) Princípio do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Trata-se de um mandamento que se aplica como regra geral ao ECA: a criança e o adolescente deve ser sempre colocada junto à sua família natural ou extensa e também devem ser propiciados instrumentos de inserção em sua comunidade.
    Competência da execução da medida socioeducativa. A Lei nº 12.594/12 não especificou a competência, mandando se seguir a regra do art. 146 do ECA que prevê a regulamentação através da lei de organização judiciária de cada Estado. Se era objetivo a aproximação do adolescente com os pais ou responsável, o juiz competente deveria ser do domicílio dos pais ou responsável, utilizando-se a fórmula do art. 147, I do ECA (juízo imediato). Ou mesmo a do artigo 147, inciso II que prevê na falta dos pais ou responsável, a competência pelo local onde se encontrar a criança ou adolescente. Quanto à competência para executar medida de advertência, reparação de dano e de proteção quando aplicada de forma isolada, é do juízo de conhecimento.
    Guia de execução individual. Embora a Lei nº 12.594/12 não faça explícita menção à guia de execução (deveria ter feito), elenca os requisitos no art. 39, incisos I e II, incluindo acertadamente a cópia da sentença ou do acórdão e a hipótese de remissão cumulada com medida socioeducativa (art. 39, parágrafo único).   
     Audiência admonitória. Embora a Lei nº 12.594/12 não tenha feito explícita menção a esse audiência, é tendência que em toda medida socioeducativa exista a mesma.
    Guia de execução provisória. Outro assunto não abordado pela Lei, mas constantemente analisado pela jurisprudência é da possibilidade de execução provisória da medida socioeducativa com a revogação do art. 198, VI do ECA pela Lei nº 12.010/20009. É entendimento majoritário na jurisprudência que é possível o imediato cumprimento da medida, salvo quando houver possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação (STJ, RCH nº 26.386/PI, j. 18.05.2010).
    Incidente de execução de medida socioeducativa. Similar à execução penal, existem alterações na execução da medida, incluindo-se a progressão, a regressão, a saída autorizada etc. Inclui-se nesse sentido, a chamada progressão da medida socioeducativa à semelhança da execução penal. O STJ  (HC nº 81.429/SP, j. 25.09.2007) denomina de substituição e a hipótese mais frequente é o da internação. Quando deverá haver avaliação para o chamado meio aberto, como p. ex. a progressão para a liberdade assistida? O art. 42, caput da Lei nº 12.594/12 nesse assunto é mais específico, determinando a avaliação a cada seis meses. Poderá haver designação de audiência, cientificando-se o defensor e o Ministério Público. A Lei como novidade proíbe a manutenção da medida com base na gravidade do ato infracional, com os antecedentes ou com o tempo da duração da medida (art. 42, § 2º). Resta agora ao juiz da infância e da juventude não mais fundamentar sua decisão de manutenção p. ex. da internação com base apenas nesses motivos. Na verdade, o que tencionou o legislador foi a de aprofundamento do caso pelo juiz menorista. Assim, não basta citar o artigo da lei. Deve citar detalhes do processo ou dos motivos que levaram a internação em determinado tempo. Ou ainda deve detalhar sua motivação com o estudo feito acerca do caso. Classificação das medidas. O art. 42, § 3º passou a classificar a severidade das medidas, incluindo a internação como a medida mais grave, seguida da medida de semiliberdade. Embora não haja menção específica, é importante salientar que continua a existir a possibilidade de regressão, como é o caso da chamada internação-sanção, limitada ao prazo de três meses. Seguindo-se a Súmula 265 do STJ, há necessidade da oitiva prévia do adolescente. Substituição das medidas em meio aberto. O juiz das execuções no caso de meio aberto, pode substituir uma medida do meio aberto por outro do meio aberto, tentando adequar a melhor para ressocialização do adolescente. Em sede de execução, a existência de mais uma medida, seja ela homogênea ou heterogênea, leva à necessidade do juiz das execuções decidir qual será aplicada e quando será aplicada. O art. 45, § 1º manda que o juiz observe os prazos máximos e a liberação compulsória. Uma das regras adotadas pela Lei 12.594/12 é a de que no caso de internação em razão de sua excepcionalidade, a imposição de medida por fato anterior fica prejudicada. Essa regra é ratificada pela nova lei que prevê a vedação de nova internação por atos infracionais praticados anteriormente, ou ainda que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais atos absorvidos por aqueles (art. 45, § 2º).
 Extinção da medida socioeducativa. São as hipóteses elencadas no art. 46 da Lei nº 12.594/12: (I) Morte do adolescente; (2) Pela realização de sua finalidade; (III) pela aplicação de pena privativa de liberdade a ser cumprida em regime fechado ou semiaberto, em execução provisória ou definitiva. Isso se refere quando maior de dezoito anos e condenado em regime fechado ou semiaberto. O dispositivo, a contrario sensu permite a execução de medida socieoducativa em meio aberto com pena em regime aberto ou de pena restritiva de direitos; (IV) pela condição de doença grave que torne o adolescente incapaz de se submeter ao cumprimento. Logicamente que tal decisão deve ser subsidiada com um laudo pericial atestando doença grave; (V) nas demais hipótese previstas em lei.
Detração. O art. 46, § 2º permite o desconto de prisão cautelar criminal no prazo de cumprimento de medida socioeducativa. Prazo de duração do mandado de busca e apreensão. É de seis meses contado da data da expedição. Pode ser renovado, desde que por decisão fundamentada (art. 47, caput).
Incidente de revisão judicial da medida socioeducativa. Trata-se de um instrumento inserido pela Lei nº 12.594/12 que será utilizado através de incidente de execução da medida socioeducativa. Exaurido o processo de conhecimento, mesmo com a apelação, caberá a revisão judicial da medida através do disposto no art. 48 da Lei nº 12.594/12. Procedimento: (1) petição inicial. Possui legitimidade o defensor, o MP, o adolescente e seus pais ou responsável. Não há necessidade da capacidade postulatória, podendo o incidente ser iniciado através de um manuscrito; (2) ouvida da autoridade colegiada (semelhante ao pedido de informações do HC); (3) audiência na hipótese de dilação probatória; (4) relatório da equipe técnica; (5) Manifestação do MP e do defensor (nessa ordem). Embora o art. 48 da Lei nº 12.594/12 não faça menção, entendemos imprescindível a oitiva desses dois órgãos e nessa ordem, para não ferir o princípio do contraditório e da ampla defesa. Vide ainda previsão do art. 51; (6) Decisão do juiz das execuções, decidindo o incidente.
Apuração de falta de adolescente infrator em regime de internação ou semiliberdade. A sanção disciplinar somente é admitida como forma de garantia dos outros internos ou do próprio adolescente (art. 48, § 2º). O regime disciplinar está previsto nos arts. 71 a 75, devendo haver tipificação explícita das infrações leves, médias e graves; exigência de instauração formal do procedimento disciplinar, garantidos a ampla defesa e o contraditório; obrigatoriedade de audiência do socioeducando na hipótese de instauração de procedimento disciplinar; sanção de duração determinada; enumeração das causas ou circunstâncias que eximam, atenuem ou agravem a sanção; enumeração das garantias de defesa; garantia de solicitação e rito de apreciação dos recursos cabíveis; apuração de comissão de no mínimo 3 integrantes, sendo um obrigatoriamente da equipe técnica (art. 71). Não será admitida o desempenho de outro socioeducando no procedimento (art. 73). Princípio da legalidade (anterioridade) e devido processo legal: é previsto no art. 74 “Não será aplicada sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar e o devido processo administrativo.” As excludentes de culpabilidade e de antijuridicidade foram previstas expressamente no art. 75 da Lei: I – coação irresistível ou por motivo de força maior; II – legítima defesa, própria ou de outrem. No caso da Fundação CASA, o art. 51 do RI prevê o princípio da legalidade, afirmando que as sanções disciplinares possuem caráter educativo. No caso de sanções coletivas, haverá necessidade da individualização da conduta de cada adolescente (art. 51. § 5º).
      Direitos individuais. As garantias dos arts. 110 e 111 são mantidas na fase de execução (art. 49, § 1º). O art. 49 da Lei nº 12.594/12 todavia especificou mais detalhes dos direitos individuais, como o direito de ser inserido em meio aberto ante a inexistência de vaga para cumprimento de medida de privação de liberdade (art. 49, II).
    Saída monitorada. É permitida na hipótese de tratamento médico, doença grave ou falecimento de pai, mãe, filho, cônjuge, companheiro ou irmão. Observe-se que esta saída é de atribuição do diretor do programa, mas com imediata comunicação ao juízo competente (art. 50). Falando em saída monitorada, permite-se o monitoramento eletrônico.
PIA. Nota-se a nítida influência da anterior Lei nº 12.010/09 que basicamente cuidou da criança e do adolescente em situação do art. 98 do ECA. Nesse sentido o art. 52 da Lei nº 12.594/12 foi categórico ao exigir o Plano Individual de Atendimento (PIA) no cumprimento das medidas socioeducativas de PSC, LA, semiliberdade e internação. O próprio artigo 52 se encarrega da conceituação do PIA, sendo “instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente. O PIA deve ainda contemplar a participação dos pais ou responsável” (art. 52, parágrafo único). A elaboração ficará a cargo da equipe técnica do respectivo programa, com a participação efetiva do adolescente e de sua família (art. 53). No caso da Fundação CASA, já existia anteriormente previsão do “PIA” pela chamada equipa de referência (art. 13 do RI) Trata-se de uma verdadeira estratégica de abordagem do adolescente e um planejamento sério para retirá-lo da vida delinquencial e fazê-lo retornar ao normal eixo de vida social . Os requisitos do PIA estão especificados no art. 54. No caso de semiliberdade ou internação, o PIA conterá a designação de programa mais adequado; a definição de atividades internas e externas, individuais e coletivas e a fixação de metas para o alcance de desenvolvimento de atividades externas (art. 55). O PIA deverá ser elaborado no prazo máximo de 45 dias do ingresso no programa de atendimento (art. 55, parágrafo único).  No caso de PSC e LA, o PIA deverá ser elaborado até 15 dias do ingresso (art. 56). Sigilo do PIA: como todo procedimento infracional, a elaboração do PIA deverá ser mantida em sigilo, podendo somente ter acesso o servidor do programa, o adolescente, pais ou responsável, MP e defensor (art. 59).
         Visitas a adolescente por terceiros. Anteriormente, havia dúvida sobre a admissibilidade da visita, inclusive a íntima. Possuem direito de vista o cônjuge, companheiro, pais ou responsável, parentes e amigos (art. 67). O art. 80 do RI da Fundação CASA prevê “visita, uma vez por semana, aos sábados ou domingos, por período máximo de 4 (quatro) horas, em horário e local apropriado para visitação, definidos pelo Diretor do Centro de Atendimento.” O art. 81 do referido regimento prevê que “Poderão visitar o adolescente os pais ou responsável legal, os filhos, os avós, os irmãos, o (a) cônjuge e o (a) companheiro (a) com filho (s) proveniente(s) da relação.” Todavia, inexistindo esses parentes, o RI prevê a visita de “família alternativa” desde que comprovado o vínculo afetivo pela Equipe de Referência. Cremos que o rol do art. 67 da Lei nº 12;504/12 não é exaustivo, sendo aplicável o art. 81 do RI quanto à família alternativa.
    Visita íntima: é garantida pelo art. 68 desde que seja casado ou comprovadamente esteja em união estável. Os objetos cuja entrada será proibida serão disciplinados em regulamento interno do programa (art. 70). Sem se referir à visita íntima, o art. 82 do RI da Fundação Casa prevê a visita de “namorado (a)”  duas vezes por mês pelo período de quatro horas.
    Disposições finais e transitórias da Lei nº 12.594/12. O art. 81 estipula o prazo de seis meses a partir da publicação da Lei para que as entidades que mantenham programas de atendimento encaminhem proposta de adequação, sob pena de interdição. Existe uma incoerência: a lei nº 12.594/12 passa a vigorar somente depois de 90 dias. Antes disso, não possui existência no mundo jurídico. Por isso o prazo de seis meses do art. 81 deveria e deverá ser contado da data da entrada em vigor da Lei e não da publicação. Pode-se alegar que são dois prazos diferentes, mas sem dúvida trata-se de falta de técnica da lei menorista. Escolarização: com o prazo de um ano (com a observação acima feita), os Conselhos deverão inserir todos os adolescentes sob medida socioeducativa na rede pública de educação. Trata-se de uma obrigação de fazer digna de elogios. Mas indaga-se: será possível operacionalizá-la efetivamente?. Programa de atendimento do Poder Judiciário. Deverá ser transferido no prazo de um ano para o Poder Executivo (art. 83). Programas de internação e semiliberdade dos Municípios. Deverão ser transferidos para os Estados no prazo de um ano (art. 84). Não havendo essa transferência, haverá interdição e caracterizará ato de improbidade (art. 85). Nesse diapasão, a importância do papel do MP através das respectivas ações.
     Vacatio legis e exato momento da entrada em vigor da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Dispõe o art. 90 que a lei entrará em vigor depois de 90 (noventa) dias da publicação oficial. A mesma foi promulgada em 18 de janeiro de 2012 (quarta-feira) pelo Presidente da República. Passou a valer somente com a sua publicação, que ocorreu em 19 de janeiro de 2012 (quinta-feira) no Diário Oficial da União. Ocorre que existiu um período de vacatio legis para adaptação de 90 dias. Como contá-lo? Utiliza-se o art. 8º da Lei Complementar nº 95/1998, que prevê em seu art. 8º, § 1º, que “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”. A data da publicação foi 19 de janeiro de 2012. Contando 90 dias, incide o prazo final sobre o dia 17 de abril de 2012 (termo ad quem). Como a lei manda se referir ao dia posterior, o dia da vigência da lei então é 18 de abril de 2012 (quarta-feira).
III Conclusões
A Lei nº 12.594/12 não disciplinou de forma perfeita ou com maior detalhamento o Processo de Execução de Medidas Socioeducativas. Todavia, estabeleceu um sistema, um plano, um programa e uma nova feição ao atendimento do adolescente em conflito com a lei. No plano teórico, isso se mostra muito satisfatório. Resta todavia, ser efetivo no plano concreto. A intersetorialidade, ou seja, o atendimento em conjunto de vários setores estatais e da sociedade, principalmente após a liberação do adolescente em relação à medida são exigências práticas para a readaptação social do adolescente. Resta saber como irá funcionar o sistema nessa fase de implantação da Lei e nos próximos anos.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012

Primeiras impressões. Estou comentando a Lei nº 12.594, mas ela é bastante extensa. Como a minha 13ª edição ganhou uma segunda tiragem (do livro do ECA), a 14ª sairá somente em agosto. Desta forma, vou colocando alguns impressões da Lei no meu blog.
Alguns destaques:
1) Criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase);
2) Possui o escopo de melhorar a medida socioeducativa através dos conceitos de planos e programas (espero que tudo isso não fique só no discurso teórico)
3) É o primeiro texto legal que faz menção à chamada justiça restaurativa (v. art. 35, III). Do ponto de vista prático, tanto a justiça penal como a menorista encontram-se falidas. Se se efetivar a Justiça Restaurativa, seria uma das saídas. Posso resumí-la como uma intenção de buscar as causas do cometimento do ato infracional e também ouvir a vítima. Daí através dos círculos, buscar uma solução que será implementada através das chamadas "redes". Em 20 anos de prática forense, achei a melhor solução dos conflitos criminais, incluindo o ato infracional.

Um abraço,

Professor Ishida

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Nova lei sobre execucao de medida socioeducativa

Boa tarde. Brevemente estarei blogando a nova lei . Estou só no aguardo da telefônica consertar meu speedy. Prof. Ishida

sábado, 14 de janeiro de 2012

O princípio do melhor interesse atualizado


A doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse são duas regras basilares do direito da infância e da juventude e que devem permear todo tipo de interpretação dos casos envolvendo crianças e adolescentes. Trata-se da admissão da prioridade absoluta dos direitos da criança e adolescente.
     Sobre o princípio do melhor interesse, o art. 3º, item 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 menciona que em todas as medidas concernentes às crianças, terão consideração primordial os interesses superiores da criança O art. 37, c, ao cuidar da privação da liberdade do infrator, menciona o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Na redação original em inglês, o termo utilizado é best interests of the child. Na experiência norte-americana, é utilizado como parâmetro para as cortes decidirem à respeito da guarda de criança ou adolescente. Em uma conceituação ampla, significa “the deliberation that courts undertake when deciding what type of services, actions, and orders will best serve a child as well as who is best suited to take care of a child” (tradução livre: “a deliberação dos tribunais que decidem qual o tipo de serviço, ações e ordens serão mais adequadas às crianças e quem estará melhor capacitado para cuidar da criança) (www.childwelfare.gov). Gustavo Ferraz de Campos Monaco (A proteção da criança no cenário internacional, p. 179) entende-o como o princípio da dignidade humana aplicada à criança e ao adolescente. Cf. salienta referido autor, existiria anteriormente uma diferenciação entre interesse e direito. O primeiro possuiria uma função mais elevada, exercendo uma atividade de orientação e de princípio de hermenêutica central. Quanto ao direito estaria estampado na norma posta. Assim, as expressões interesse e direito se aproximariam justamente como sinônimo de direito subjetivo. O autor (ob. cit., p. 180) critica esse posicionamento que afastou o “melhor interesse” de um princípio reitor e o qualificasse como um direito subjetivo, com exigência direta e coercitiva. Isso faria, segundo o mesmo na colocação da criança e do adolescente em um pedestal, reconhecendo uma tendência mundial de se reconhecer a criança e o adolescente como adultos em miniatura.
     A par dessa correta crítica de falha conceitual, no cenário brasileiro, a justaposição das expressões se releva salutar porque apesar de uma legislação menorista avançada, tem-se uma realidade atrasada e despreocupada politicamente com os rumos da criança e do adolescente.
    De qualquer forma, expõe didaticamente Monaco (ob. cit., p. 181-183) quatro viés do princípio do melhor interesse: (1) orientação do Estado-legislador: a lei deve prever a melhor conseqüência para a criança ou adolescente. Não obedeceu a essa orientação, o art. 16, § 2º da Lei nº 9.528/97 que excluiu da figura de dependente do INSS, a criança ou adolescente submetida ao termo de guarda; (2) orientação ao Estado-juiz: o magistrado moderno da infância e da juventude deve fornecer uma aplicação da lei ao caso concreto de acordo com as reais necessidades da criança e do adolescente. Merecem referência nesse hipótese específica pela atuação vanguardista, o tribunal de justiça gaúcho e o STJ; (3) orientação ao Estado-administrador: em sua atividade de manuseio de políticas públicas deve se balizar por este princípio. Em um Estado Democrático de Direito, torna-se inaceitável velhas políticas populistas, corruptas e de atendimento ao fim privado. Os executivos municipal, estadual e federal possuem uma das, senão a maior responsabilidade de atuação e de atendimento aos direitos da criança e do adolescente. Deve-se superar vetustas desculpas de falta de verba orçamentária, de luta pela não intromissão do judiciário no executivo e trocá-las por outras atitudes mais proativas. O Executivo não deve ser visto pelo político como um local para enriquecimento próprio e dos afins, mas sim de um local de atendimento das prioridades sociais, no caso específico da infância e da juventude; (4) orientação à família: a família natural ou extensa devem sempre sopesar os interesses e as idéias da criança e do adolescente. O entendimento (às vezes arcaico) dos pais às vezes não é o melhor para aplicação à criança e ao adolescente. Nesse sentido, possuem os pais importância destacável na criação e educação de seus filhos, não podendo unicamente pensar em velhos chavões como “o que foi bom para mim será bom para meu filho”.